Guardiões da Galáxia 2 é um episódio de 'A Grande Família' feito pela Marvel
Por Durval Ramos |
Talvez a melhor maneira de olharmos para Guardiões da Galáxia 2 seja deixando os quadrinhos de lado e olhando para outra referência — uma tão improvável quanto este grupo de heróis. Se olharmos friamente para o novo filme da Marvel, que chega aos cinemas neste fim de semana, ele é um grande e bizarro episódio de A Grande Família. E é isso que o torna sensacional.
Desde o primeiro filme, o diretor James Gunn conseguiu se afastar não só do universo do estúdio, como também de sua fórmula. Foi ao assumir uma identidade própria que um filme de heróis tão desconhecidos se transformou em um enorme sucesso. E a sequência segue exatamente pelo mesmo caminho, deixando de lado as conexões entre os filmes e se preocupando em fazer algo muito mais independente e muito mais preocupado em desenvolver a relação entre os seus personagens. Ao fazer isso, o novo Guardiões se aproxima muito da série brasileira. Mesmo sem sua Dona Nenê, um Lineu ou um Agostinho Carrara, Guardiões da Galáxia 2 usa exatamente a mesma estrutura da família disfuncional para nos entrega uma história repleta de coração.
We are Groot
A ideia de família é a grande força motora do filme. Seja do encontro de Senhor das Estrelas com seu pai ou dos atritos entre Gamora e Nebula, o filme discute em vários níveis o que realmente significam esses laços familiares. E não apenas nessas ligações consanguíneas, mas também em torno da família que a gente constrói ao nosso redor.
É verdade que essa abordagem não é nova. Há uma penca de filmes que trabalham o mesmo conceito, mas Guardiões da Galáxia 2 consegue montar essa estrutura à sua maneira, com muito bom humor, ação e aquela dose de irreverência que destoa tanto dos demais filmes do estúdio. Só que isso é apenas um tempero para aquilo que realmente importa.
Desde o primeiro filme, a gente vê o quanto esses personagens são falhos e o quanto eles dependem um do outro para se completarem. E é nessa dinâmica que vemos o grande paralelo com a série A Grande Família: são heróis tortos, repletos de atritos e com personalidades muitas vezes conflitantes, mas que ainda precisam estar juntos para serem algo maior. E, mais do que isso, é uma relação que nem sempre está evidente à primeira vista e que, exatamente por isso, gera tantas brigas.
Além disso, como o público já conhece aqueles personagens, a história se desenvolve de forma a aprofundar um pouco do seu papel dentro dessa equipe, revelando lados que, até então, eram desconhecidos. O roteiro faz um excelente trabalho ao explorar cada um dos protagonistas, incluindo aqueles que haviam sido mal aproveitados no primeiro filme. Drax, por exemplo, deixa de ser apenas o brutamontes burro para ganhar uma profundidade muito mais interessante. Ainda que ele esteja muito mais escrachado com sua falta de tato social, há cenas que aprofundam tanto o seu passado quanto sua relação com o restante da equipe.
Nesse sentido, a entrada de Nebula ao time também acrescenta bastante à dinâmica. Ela deixa de ser apenas a vilã que apenas grunhe e existe somente para fazer a ligação com Thanos para ser a contraparte da Gamora nessa lógica familiar. As duas se odeiam ao mesmo tempo em que compartilham muita coisa, e é esse conflito que faz a relação entre as duas girar.
É aí que podemos enxergar o verdadeiro coração do filme. A noção de família é trabalhada de diferentes formas, mas é na sua disfuncionalidade que vemos sua verdadeira essência. Por mais piegas que pareça, o filme consegue trabalhar com a ideia de que, mesmo com seus conflitos, são exatamente as diferenças que criam os laços que realmente importam e que o importante é estar junto — criando um eco com o “We are Groot” do primeiro filme.
Só que desenvolver todos esses relacionamentos para chegar a essa conclusão não é algo fácil — basta ver como ficou ridícula a tentativa de forçar essa ideia no final de Esquadrão Suicida. E Guardiões da Galáxia 2 consegue não apenas cumprir esse papel como o faz com maestria, criando momentos realmente muito bonitos e até mesmo emocionantes.
Direto à ação
Só que este filme não é um drama ou coisa parecida. Ainda estamos falando de Marvel e, mais importante ainda, de Guardiões da Galáxia. Isso significa que ainda temos muita ação, piadas e tiroteios espaciais acompanhados de uma excelente trilha sonora.
Nesse aspecto, os fãs do estúdio não vão se decepcionar. Da primeira à última cena, temos um ritmo bastante acelerado e que sabe explorar muito bem essa dinâmica A Grande Família da equipe seja para garantir uma boa cena de luta ou mesmo para render boas risadas. Guardiões da Galáxia continua com excelentes piadas e com seu humor ácido, mesmo sem depender de nenhuma batalha final resolvida na dança.
A entrada de novos personagens é um tempero a mais nessa mistura. Ego é uma figura bastante curiosa e cuja existência expande de maneira considerável os limites do universo Marvel, principalmente ao ampliar conceitos que haviam sido apenas pincelados até aqui — para a alegria dos fãs dos quadrinhos. Só que falar qualquer coisa a mais do que isso seria entregar um grande spoiler.
Já a personagem Mantis divide opiniões. Ao mesmo tempo em que ela ajuda a aprofundar algumas relações entre o grupo principal, principalmente ao se aproximar de Drax, a verdade é que ela não tem muita serventia para a história como um todo. Ela rende algumas boas piadas, é verdade, mas acaba servindo muito mais como um anexo do próprio Ego do que uma personagem realmente independente. Não que alguém realmente se importasse com ela, na verdade.
Para os fãs de quadrinhos
Um dos grandes acertos de James Gunn à frente de Guardiões da Galáxia foi criar uma espécie de bolha em relação ao restante do universo Marvel. Embora você veja um ou outra ligação com o que os outros filmes mostram, ele não tenta forçar uma conexão entre eles, o que faz com que a história seja algo destacado de todo o resto. E isso permite que a aventura espacial tenha o seu próprio mundo de referências.
Se você é daqueles espectadores que adora pescar easter eggs, saiba que Guardiões da Galáxia 2 é um prato cheio. E isso envolve até mesmo elementos que apareceram rapidamente no primeiro filme, o que apenas comprova que o diretor está muito mais preocupado em criar seu universo próprio do que ficar ligando com Thor, Capitão América e Homem de Ferro — embora a gente saiba que isso vai ter de acontecer em algum momento.
Além disso, há também muitas referências aos quadrinhos. Muitas mesmo. Enquanto o primeiro Guardiões praticamente ignorou tudo aquilo que as HQs haviam apresentado sobre os personagens, desta vez há um cuidado maior em citar e trazer personagens que os leitores certamente vão reconhecer. Há referências à equipe original dos Guardiões nos gibis e até mesmo aos Vigias, a raça alienígena que observa todos os acontecimentos do universo Marvel. E se você esperar para ver as cinco cenas pós-créditos, ainda vai ter algumas surpresas a mais.
Vá ao cinema
No fim das contas, vá ao cinema sem pensar duas vezes. Para quem gostou do primeiro filme, a sequência é ainda mais completa, divertida e envolvente. Como dito, ela evolui muitos aspectos que o primeiro Guardiões já tinha apresentado e consegue desenvolver muito bem para apresentar coisas novas e dar um salto significativo de qualidade. Cada personagem tem o seu papel e o seu momento, o que é fundamental para um bom filme de equipe funcionar — ainda que o Baby Groot seja disparado uma das coisas mais sensacionais do longa.
E, por mais que eu odeie as hipérboles tão comuns em tempo de internet, Guardiões da Galáxia 2 desponta como um dos melhores filmes da Marvel com certa folga. Ele quebra a velha fórmula que o estúdio vem aplicando às suas adaptações e traz algo diferente e com muito mais coração do que Doutor Estranho e o próprio Guerra Civil ousaram apresentar. Você percebe que ele não é apenas um produto pasteurizado que segue a cartilha do estúdio, mas algo com identidade própria e com muito coração.
Não por acaso, este está sendo considerado um dos filmes mais emocionantes da Marvel ao longo desses quase 10 anos de filmes. Guardiões 2 sabe construir seus personagens e fazer com que você se importe com eles, mesmo com todos sendo tão tortos. Afinal, isso é família. E o filme mostra muito bem que, mesmo rindo, chorando e brigando, os laços se fortalecem quando você sabe que pode contar com essas pessoas sempre ao final do dia — por mais disfuncionais que eles sejam.