FBI pode não precisar mais da Apple para invadir iPhone de San Bernardino
Por Carlos Dias Ferreira | 22 de Março de 2016 às 07h51
Até recentemente, o governo dos EUA era categórico ao afirmar que a única forma possível de ganhar acesso ao iPhone que pertencera ao terrorista Rizwan Farook seria por meio de uma versão adulterada do iOS 7 – um “backdoor” que precisaria ser desenvolvido pela própria Apple. Mas uma solução alternativa parece ter surgido; uma que pode colocar um fim à contenda entre a Maçã e o FBI, mesmo levantando diversas sobrancelhas enquanto o faz.
Os promotores responsáveis pela ação movida pelo FBI contra a Apple afirmaram nesta semana que uma empresa “terceirizada” apareceu com o que pode ser um método alternativo para invadir o sistema do iPhone 5c de Farook – um dos responsáveis pelo massacre que deixou 14 mortos e 22 feridos na cidade de San Bernardino (Califórnia) em dezembro do ano passado.
A suposta descoberta fez, inclusive, com que o órgão governamental pedisse o adiamento de uma audiência prevista para ocorrer nesta terça-feira, 22, com promessas de que a corte seria atualizada sobre os desdobramentos da nova tentativa no dia 5 de abril.
Até o momento nada foi dito sobre qual será o método empregado para a invasão do telefone ou mesmo sobre qual é a misteriosa “third party” que pretende levá-lo a cabo – terá o governo aceitado a generosa oferta de John McAfee? Sabe-se apenas que é uma empresa privada, cuja oferta tem deixado o FBI “cautelosamente otimista”.
Mudança súbita provoca ceticismo
O método alternativo mencionado pela promotoria poderia pôr fim ao espetáculo jurídico que tem movido indústria e mídia nos EUA durante as últimas semanas – e que muitos duvidavam que pudesse terminar antes de alcançar a Suprema Corte.
Entretanto, a mudança súbita de postura do governo aguçou o ceticismo de muita gente direta e indiretamente envolvida no caso, sobretudo depois de todo o “vai e vem” judicial envolvido. De fato, o governo chegou a conquistar uma ordem judicial que obrigava a Apple a colaborar por meio do desenvolvimento da referida “porta dos fundos”, a fim de desabilitar as proteções naturais do sistema.
“De uma perspectiva puramente técnica, uma das partes mais frágeis do caso movido pelo governo é a afirmação de que a ajuda da Apple é necessária para desbloquear o telefone”, afirmou o expert em segurança computacional e professor da Universidade da Pensilvânia, Matt Blaze, em entrevista.
De fato, não é de hoje que há quem aponte possibilidades alternativas muito menos funestas para atravessar a segurança do famigerado 5c. “Muita gente da comunidade tecnológica tem manifestado ceticismo em relação a isso, sobretudo quando se consideram os recursos consideráveis do governo”, acrescentou Blaze.
Abandonar o navio?
Segundo advogado e ex-promotores que apoiam a Apple, o novo movimento governamental pode indicar que o Departamento de Justiça dos EUA tenha vislumbrado uma derrota breve – ou talvez o constrangimento de precisar admitir que nem todas as alternativas para hackear o celular haviam sido exploradas.
Em pronunciado oficial, o órgão afirma, entretanto, que desde o início o FBI tem buscado métodos diversos para ganhar acesso às informações do celular – estratégia que teria se mantido inalterada mesmo após o início das litigações. “É por isso que nós pedimos à corte que nos desse tempo para explorar essa nova opção”, disse uma representante do referido órgão em pronunciamento oficial.
Ela continua: “Caso essa solução em potencial se comprove, isso nos permitirá conduzir buscas no telefone, a fim de continuarmos com nossas investigações relacionadas ao ataque terrorista que matou 14 pessoas e deixou 22 feridas”.
Postura governamental “contrastante”
Durante conferência de imprensa, um executivo da Apple deixou claro que a empresa nada sabe sobre o suposto método alternativo anunciado pelo Departamento de Justiça. Ele também afirmou que em nenhum momento o governo deu indícios de que prospectava outras soluções para driblar os protocolos de segurança do aparelho – o que é apontado como “contrastante” em relação às afirmações insistentes de que apenas a Maçã deteria os meios para tanto.
Para Nate Cardozo, advogado do grupo prol liberdades civis Electronic Frontier Foundation, o caso foi ardilosamente escolhido, de forma que o governo dos EUA pudesse estabelecer o precedente que lhe permitiria acessar informações eletrônicas por quaisquer meios que sejam necessários.
Em entrevista à Reuters, Cardozo engrossa o coro de que a misteriosa alternativa revelada em última hora possa ocultar certo receio por parte do governo relacionado a uma possível derrota nos tribunais – ou ao estabelecimento de um precedente pouco auspicioso.
Por outro lado, não falta quem afirme que se trata apenas de postergar o embate. “O problema não vai simplesmente desaparecer; ele será simplesmente deixado de lado por um ou dois anos”, conforme colocou o professor de Direito da Universidade de Washington e ex-promotor Orin Kerr à agência de notícias.
Apple: “Como o FBI fará isso?”
Em oposição à decisão prévia da corte em que tramita a ação movida contra a Apple, Tim Cook havia se manifestado sobre o perigo de criar uma “porta dos fundos” para o iOS. Conforme colocou o CEO, além da abertura de um perigoso precedente, tal expediente ainda colocaria em risco a segurança dos usuários de iPhones e iPads mundo afora.
Assim sendo – e a despeito do litígio em si -, é natural que a Apple queira tomar conhecimento da possível solução encontrada pelo FBI. Em coletiva de imprensa, os advogados da companhia indicaram que devem insistir na revelação da vulnerabilidade descoberta pelo bureau. Entretanto, o governo apenas teria a obrigação de compartilhar tal informação se a ação fosse mantida – o que parece pouco provável.
Fonte: Reuters