CoD: Infinite Warfare desperdiça boas ideias com fórmulas batidas [Análise]
Por Leandro Souza |
A franquia Call of Duty caminhou por diversos caminhos em sua intenção de inovar os jogos de tiro em primeira pessoa. Quando a Activision e a produtora Infinity Ward lançaram CoD 4: Modern Warfare, em 2007, elas não apenas criaram um dos maiores sucessos de todos os tempos como também moldaram padrões para o gênero. Desde então, ano após ano, a franquia busca diferentes formas de se manter relevante, contando com a ideia de três estúdios diferentes para isso. Entretanto, em termos criativos, Black Ops III representou um momento crítico para a série, apostando em um cansado conceito futurista apresentado por três títulos seguidos - vendeu bem, mas não foi exatamente exaltado pelos fãs.
Quando Infinite Warfare foi apresentado no início de 2016, então, foi o estopim para uma onda de rejeição. Mesmo desenvolvido pela Infinity Ward, a mesma que marcou época com a trilogia Modern Warfare, o conceito sugerido de um "Call of Duty no espaço" não agradou, e o trailer do game no YouTube bateu recordes de dislikes, enquanto a franquia rival Battlefield conseguiu aprovação geral com a apresentação de Battlefield 1.
Tá, mas depois de toda essa introdução, o que se tem a dizer de Call of Duty: Infinite Warfare, que finalmente chegou ao mercado no início deste mês? Ele merece toda a rejeição que lhe foi dada antes do lançamento? Ele é melhor ou pior que o excelente Battlefield 1? Claro que não é assim tão simples para responder essas perguntas, mas é fácil dizer que Cod:IW está longe de ser um fracasso - afinal de contas, ainda é um Call of Duty. Mas será que isso basta?
"Dane-se, vamos para o espaço"
O novo Call of Duty leva a ação característica da série para o espaço sideral, ilustrando um conflito que se passa em um futuro distante, em que a Terra ficou deficiente de recursos naturais, e a colonização dos planetas vizinhos se tornou uma realidade. Com isso, criou-se uma guerra entre duas facções de humanos (desculpa aí, não tem ETs): a United Nations Space Alliance (UNSA), sediada na Terra e a Settlement Defense Front (SDF), grupo dissidente que surgiu a partir desta exploração e que deseja derrubar a UNSA. O jogador controla o comandante Nick Reyes, que tem o trabalho de liderar a nave Retribution e a resistência contra a SDF, comandada pelo oficial Salen Kotch (interpretado por Kit Harrington, o Jon Snow de Game of Thrones).
Para quem leu a curta sinopse acima e pensou em clichês, a suposição está totalmente correta. Não espere nada de novo em Infinite Warfare em termos de história. A campanha do game segue um roteiro burocrático, com personagens rasos, motivações simplórias e completamente esquecíveis, a não ser pelo sagaz e até carismático robô Ethan, que comprova que quase sempre os NPCs coadjuvantes são a melhor coisa dos CoDs. Mas já deu pra sacar, né? Quando um maldito robô é a melhor coisa da história do game, é porque algo está errado. Mas para não dizer que eu não vi o lado positivo das coisas, posso afirmar que a trama de Infinite Warfare, apesar de insossa, tem uma certa coerência, mesmo sendo uma ficção científica - convenhamos, o roteiro de Black Ops III era um legítimo SAMBA DO CRIOULO DOIDO, pelo amor de Deus.
Agora partindo da história para a jogabilidade em si, Infinite Warfare representou para a Infinity Ward uma possibilidade de construir em cima de alguns aspectos de jogabilidade esboçados no seu título anterior feito para a franquia, Call of Duty: Ghosts. No novo título, existem muitas sequências de tiroteio em gravidade zero, apostando em uma verticalidade ainda maior na ação do jogo. Apesar de elas não serem assim tão divertidas, elas dão um bom toque de mudança em meio ao formulaico modelo da série, colocando toques interessantes como um gancho de aproximação para se movimentar e atacar inimigos. Para quem não gostar também não é nada assim tão grave, já que não são tantas cenas assim.
Algumas das novas armas também apresentam toques divertidos, como as granadas antigravitacionais, robôs e drones teleguiados que apoiam nas batalhas, assim como é possível hackear andróides inimigos para lutar do outro lado da linha de combate e se autodestruir entre os inimigos. São pequenos toques que chamam a atenção em meio de uma jogabilidade engessada por anos em diversos aspectos. O jogo tem alguns macetes de movimentação também como a possibilidade de wall runs, mas o design das fases tornam eles praticamente desnecessários - diferentemente de um Titanfall, por exemplo, que faz esses toques diferentes realmente úteis; em CoD: IW, eles não passam de perfumaria.
Como estamos falando da Infinity Ward - na minha opinião, a melhor do trio de desenvolvedores de CoD na frente da "porra louca" Treyarch e a insípida Sledgehammer - o uso do mote futurista em Infinite Warfare é o mais bem empregado até agora. Com a possibilidade de temas como viagem espacial, o jogo inclui alguns toques muito bacanas como missões opcionais que liberam itens adicionais e conquistas. Ao invés de apenas seguir uma linha de cutscenes para ligar suas fases, o jogo tem na nave Retribution o centro da narrativa, que pode ser explorada entre uma missão e outra, assim como é possível selecionar a próxima tarefa do jogo em um mapa. O recurso não chega a ser aproveitado de forma ampla como poderia, mas é o suficiente para ser algo diferente.
A maior inovação do novo Call of Duty, entretanto, envolve um tipo completamente diferente de tiroteio. O jogo tem eletrizantes cenas de combate espacial de naves - SIM, NAVES ESPACIAIS. Por incrível que pareça, alguns dos momentos mais revigorantes de Infinite Warfare são perseguindo outras naves e explodindo gigantescos destroyers no meio do espaço sideral usando uma espaçonave. O cuidado da Infinity Ward com a jogabilidade no combate veicular espacial foi tanto que ela chegou a fazer missões opcionais que se passam inteiramente no cockpit de uma nave. Pena que esse cuidado não foi passado para o multiplayer (mas isso eu falo mais abaixo).
Certas coisas não mudam (para o bem e para o mal)
Inovações à parte, não nos esqueçamos que este é um Call of Duty, e certas coisas nunca mudam. Uma delas é a capacidade da série em criar sequências eletrizantes de ação, mesmo que completamente descerebradas. Se nos melhores títulos da franquia, o equilíbrio entre momentos mais quietos e as fases arrasa-quarteirão era o segredo do sucesso, pelo menos nos títulos mais fracos os momentos de tiroteio frenético nunca falharam em animar os jogadores. Infinite Warfare não é diferente, mas infelizmente entra na segunda categoria, só empolgando de verdade nos momentos de completo caos, seja em alguns pontos das fases terrestres ou as já citadas sequências de combate veicular.
Tecnicamente, bem, é aquela mesma coisa de sempre. Os gráficos seguem excelentes (e chegam a impressionar em alguns momentos em que usa a paisagem espacial), segurando um frame rate estável mesmo em momentos mais movimentados. Mesmo assim, parece que eles são sempre a mesma coisa em boa parte do jogo, seja pelos ângulos de câmera, direção das cutscenes, condução dos diálogos e do roteiro. Tudo parece tão formulaico que fica difícil o jogador realmente se investir na narrativa. E Call of Duty já está nesse limbo estrutural há anos: tá realmente na hora de mudar, e ir para o espaço não é a solução para fazer isso, já que o design da maioria das fases dificilmente é alterado.
Vendo todos estes detalhes, o jogador tem a impressão que a Infinity Ward tinha na mente um plano de realmente inovar com seu novo Call of Duty, mas não conseguiu de desvencilhar dos vícios da série, seja por pressão da Activision ou pela falta de ideias realmente novas. No final das contas, ficamos com um CoD que não parece um CoD pelo fato de se passar no espaço, mas ao jogar ele passa exatamente a impressão de ser um CoD, com todos os prós e contras que isso acarreta. Chega a ser um paradoxo, um game que não inova em sua inovação. Ele funciona de forma decente, mas chega uma hora em que é preciso de fato fugir do padrão e apresentar algo novo ao público.
Mais um ano, mais um multiplayer
Falando em coisas que não mudam, os modos multiplayer estão de volta (claro que estariam, né) em Infinite Warfare, assim como o modo Zombies, um queridinhos dos fãs da franquia desde que a Treyarch criou ele no primeiro Black Ops. Zombies em Spaceland é um dos temas mais divertidos criados para para o modo, apostando em uma temática anos 80 dentro de um parque de diversões, aproveitando itens e power ups ligados à epoca e usando-os de forma hilariante. Além disso, o modo apresenta músicas clássicas da época - realmente é um prazer explodir hordas de zombies e palhaços psicopatas em co-op ao som de músicas como "It's The End Of The World As We Know It (But I Feel Fine), do R.E.M. Dá para perder umas boas (e divertidas) horas neste modo. Mas como eu já falava antes: não é nada de novo, apenas uma nova roupagem para uma fórmula já testada e aprovada.
O multiplayer tradicional, por sua vez, é realmente decepcionante. É aqui que o game mostra mais claramente como a fórmula atual de CoD está cansada. Opções pouco interessantes de customização de armas e classes, e "novidades" que não acrescentam praticamente nada (como o já citado wall-run). Comparado com experiências FPS multiplayer refinadas lançadas este ano, como é o caso de Battlefield 1 e o SEN-SA-CIO-NAL Titanfall 2, chega a ser deprimente ver CoD: Infinite Warfare apresentar esta morte horrível. E pra completar o 7 a 1, nem os combates veiculares, uma das melhores coisas da campanha single player, foi incluído. Sei que a produção da campanha e do multiplayer é quebrado entre diferentes times de desenvolvimento, mas ainda assim fico sem entender.
Eu gosto de ti, Call of Duty, mas você está me desanimando
Antes de colocar as considerações finais sobre Call of Duty: Infinity Warfare, aproveito para deixar bem claro: não se trata de um jogo ruim, exatamente. Ele funciona em diversos aspectos, e se ancora em uma fórmula que funcionou muito bem por vários anos, o que já garante umas horas de diversão sem compromisso. Entretanto, para uma série que já foi marcante e fez jogos antológicos, ser apenas bom não é mais o suficiente. É preciso algo novo de fato.
Para o ano que vem, é preciso mudanças e coragem. Os videogames já estão em uma nova geração e a franquia ainda está estacionada em uma fórmula criada há quase dez anos atrás, quando a Infinity Ward mudou o cenário dos FPS com Modern Warfare (que inclusive vem remasterizado em algumas edições de IW). Chegou a hora de mudar de novo e correr riscos, por que os fãs já estão reclamando e a franquia já perdeu parte da relevância que possuía há alguns anos atrás. E levar a ação para o espaço é o menor dos problemas - é preciso mais do que uma troca de cenário para revolucionar Call of Duty. Sledgehammer Games, chegou a hora de mostrar seu valor.
Nota: 6
*A cópia de Call of Duty: Infinite Warfare para Playstation 4 usada nesta análise foi gentilmente cedida pela Activision.