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Análise | Agony apresenta viagem ao inferno, mas quem sofre é o jogador

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Madmind Studios
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Como em tantos outros games de terror em primeira pessoa, Agony começa devagar. O jogador não entende muito bem o que está acontecendo e é colocado em uma posição equivalente à do personagem, sem compreender muito bem o que está adiante, mas sabendo que algo está muito, muito errado. A diferença é que, em vez de uma casa sinistra ou uma cidade abandonada, estamos no inferno.

No jogo da Madmind Studio, assumimos alguém recém-chegado a esse local satânico, sem memória alguma nem conhecimento sobre o que nos levou a este lugar de tormento. Sabemos, porém, que há algo mais aqui do que, simplesmente, a retribuição por maus atos em vida, pois a líder do submundo parece nos conhecer, enquanto outras almas torturadas nos culpam por tudo o que está acontecendo.

O ensejo é interessante, apesar de a divulgação, nem tanto. Desde o início, Agony se baseou no choque e na violência para mostrar a que veio, permitindo entregar, literalmente, a agonia no título na forma de cenas escabrosas e momentos perturbadores. Não há o menor pudor em exibir nudez, tripas ou cenas grotescas como forma de compor uma visão de inferno que tenta ser aterrorizante.

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Um marketing desse tipo, entretanto, muitas vezes acaba prestando um desserviço. Em meio a notícias sobre cenas censuradas, proibição em certos países e desenvolvedores alegando temerem problemas legais por causa das imagens exibidas, a somatória normalmente resulta em uma esperança (e ao mesmo tempo, preparação) para um choque que jamais chega. Seria bom, porém, se esse fosse o único problema de Agony.

Nascido de uma bem-sucedida campanha no Kickstarter no final de 2016, o título chegou ao PC, Xbox One e PlayStation 4 no fim de maio de forma praticamente injogável. Bugs e problemas de jogabilidade, principalmente, estavam por todo lado, enquanto os usuários se viam diante de falhas que poderiam até mesmo corromper dados salvos e um reinicio do penoso caminho composto por uma dificuldade mal balanceada, paredes invisíveis, cenários escuros e uma total desorientação sobre o que fazer a seguir e como as mecânicas desse universo funcionam.

Atualizações liberadas no mês seguinte ao lançamento melhoraram um pouco as coisas, mas passaram longe de consertar Agony. Afinal de contas, estamos falando de updates, não de milagres, os únicos que parecem ser capazes de tornarem mais palatável um jogo que sofre de gravíssimos problemas de desenvolvimento e uma falta de cuidado e polimento. Nessa viagem ao submundo, o jogador deve sofrer mais do que o protagonista, sentindo uma agonia que é quase literal.

Uma produção infernal

Estamos em uma viagem ao outro lado, um local onde as piores pessoas deste mundo sofrem punições pelo que fizeram. Na visão da Madmind Studio, isso se traduz em um grande labirinto de carne, constituído pelas almas daqueles que ali penam por toda a eternidade. Tem sangue, pedaços de corpos, fogo e pedra por todo lado, em um cenário dos mais hostis.

Além disso, claro, bestas caminham por aí em busca dos caídos, tornando a estada deles um terror ainda maior. Logo de início, já encontramos inimigos capazes de nos assassinar com apenas um ataque, sem que possamos nos defender. A maneira de escapar é usando da furtividade e do recurso de prender a respiração, enquanto as tochas que iluminam o caminho são uma faca de dois gumes, permitindo ver o que está à frente, mas, também, chamando a atenção das criaturas.

É uma mecânica que, podemos dizer, foi importada de Alien: Isolation, na qual os mesmos artifícios que garantem antecipação ao que está por vir (no caso do game espacial, um sonar) também são os que denunciam nossa posição. A diferença é que, no caso do game da Creative Assembly, o sistema funciona, enquanto, em Agony, as mortes com um único ataque e o sistema agressivo dos oponentes transforma tudo, de aterrorizante e tenso, em punitivo e quebrado.

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Uma vez visto pelos demônios, não existe chance de escapar, e correr rapidamente só fará com que sua posição final seja denunciada. Qualquer toque no analógico ocasiona um passo que, aos ouvidos das bestas, devem soar como trombones, já que a habilidade de encontrar o jogador que elas possuem parece ser muito maior do que a capacidade do usuário de se esconder. Experimente, então, um desafio desses em um labirinto, colocado logo nos momentos iniciais do título, e a vontade é de desistir já no começo.

E caso você realmente consiga ser mais rápido que os inimigos, torça para não encontrar uma parede invisível pelo caminho. Elas aparecem aos montes em meio aos corredores apertados e cheios de objetos, impedindo, por exemplo, que passemos por uma caverna onde claramente há espaço, ou subamos em uma pedra claramente mais baixa que o pulo do personagem. Você verá a tela de game over muitas vezes, com a frustração crescendo na mesma medida em que se esvai o interesse por esse universo e a vontade de fugir dele.

Entretanto, você pode querer descobrir por que é diferente das outras almas condenadas. Afinal de contas, ao ser capturado, perde seu corpo mas pode incorporar em outros, que estão espalhados pelos cenários e servem como vidas extras. São organismos fracos e errantes, mas que servem como invólucro para a continuidade de sua jornada. Desde que, claro, você não “nasça” novamente ao lado de um demônio e tenha seu espírito arrancado dele em questão de segundos.

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O mundo de Agony apresenta uma quantidade moderada destas vidas extras, que surgem normalmente muito próximas umas das outras. Caso um oponente esteja por perto, reencarnar é pedir para morrer de novo, mas ficar na forma etérea também garante o falecimento, neste caso, permanente e nos levando de volta ao checkpoint anterior. Uma encruzilhada que acontece mais vezes do que deveria, por conta de má programação e desbalanceamento de mecânicas que anulam umas às outras.

E então você pensa que, em vez de explorar esse mundo em busca de personagens que contem uma história, arquivos com relatos ou colecionáveis, vai seguir direto ao ponto. Agony tem, sim, um sistema de direcionamento, que é limitado e só pode ser usado algumas vezes, sem que o jogador tenha que reabastecer com itens do próprio mundo. E o jogador ativa essa projeção a la Donnie Darko, que entra através de uma parede pela qual o protagonista não é capaz de atravessar.

À frente, uma luz brilhante parece indicar que há algo a ser coletado, mas ao se aproximar, não há nenhum tipo de ícone indicando o que fazer, enquanto o pressionamento dos botões não ativa coisa alguma. Não há nada ali, acredite, mas a Madmind Studio, por algum motivo, achou interessante criar efeitos que fazem parecer que existe algum ponto de interesse, mais um reflexo de uma falta de cuidado com um universo, por si só, confuso e opressor.

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Existem algumas poucas ideias boas em Agony e elas se resumem, basicamente, ao cenário. Como dito, ele soa completamente hostil só de olhar para ele e totalmente adequado para uma saga infernal de alguém que parece ter uma conexão bem maior com o submundo do que se lembra. Aos poucos, você percebe que há algo de bem mais sinistro em jogo, e fugir daquele martírio se torna mais do que uma medida de preservação pessoal, mas também uma necessidade de descoberta de enredo.

Cabeças encravadas nas paredes pedem socorro enquanto o jogador, fugindo de uma criatura à espreita, se depara com dedos gigantes presos a portais ou espelhos de carne que clamam por ajuda e servem para salvar o progresso. É uma pena que, muitas vezes, seja impossível enxergar qualquer coisa devido à escuridão extrema, que não complementa o cenário, mas sim, atrapalha o entendimento do que está adiante.

O clima geral em Agony é de desesperança completa e isso se traduz não apenas na agonia dos habitantes desse universo, mas também no próprio jogador que, simplesmente, não consegue seguir adiante. Isso quando os dados salvos não acabam corrompidos, algo que aconteceu durante nosso período de contato com a versão PS4 do game, jogando no lixo os poucos minutos de progresso efetivo que levaram horas de tormento para serem obtidos.

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São falhas de desenvolvimento que acabam completamente com uma proposta que poderia ser interessante, mesmo que não necessariamente inovadora ou diferente. O aspecto intrigante dos diálogos e esse mundo opressor e obscuro não são nada páreo aos grandes problemas de jogabilidade e polimento, que acabam constituindo o grande demônio por trás dos infortúnios de Agony, um que não pode ser vencido nem mesmo com a reza mais brava do padre mais motivado.

* Agony foi testado no PlayStation 4, em cópia cedida pela Madmind Studio.