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Especial | Em alta desde 2019, podcasts multiplicam gêneros e dinheiro no Brasil

Por| 03 de Dezembro de 2020 às 20h00

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Daniel Friesenecker/Pixabay
Daniel Friesenecker/Pixabay
Tudo sobre Spotify

Chega a ser curioso que, para uma mídia com quase 16 anos de história, 2019 seja considerado o “ano dos podcasts”. Foi o período em que o formato, já consolidado e bastante reconhecido no Brasil, ganhou em relevância e números, ainda que, para os habituais do gênero, tenha sido, basicamente, um momento mais estrelado do que os anteriores. Muitos meses já se passaram, e por conta da pandemia, esse tempo parece ainda maior. E da mesma forma que todos tivemos de nos reinventar durante esses tempos complicados, os criadores desse segmento também o fizeram.

Estamos falando de um momento em que os meios de distribuição, antes restritos aos feeds RSS e aos próprios sites dos podcasts, parecem assumir um espaço cada vez maior. E entre serviços de streaming já consolidados e novos players que chegaram ao Brasil neste segundo semestre, o mercado começa a tomar uma nota das plataformas de vídeo, investindo em séries originais e conteúdos dedicados em um movimento para atrair mais assinantes. A mídia, que sempre soou única, permanece como tal, mas aos poucos, começa também a dançar algumas canções conforme os passinhos do restante do mercado.

Da mesma maneira, os criadores de conteúdo também mudam suas abordagens, seja por meio de transmissões ao vivo, em vídeo, das gravações dos podcasts, usando grandes estúdios e equipamentos profissionais pertencentes a grandes produtoras do ramo, ou simplesmente reinventando maneiras de entregar seus materiais. O que era de nicho, agora, se torna mais e mais aberto, com possiblidades para todos e ainda mais oportunidades para quem nada nesse mar há algum tempo.

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É justamente por isso tudo que, para Luiz Felipe Marques, jornalista e fundador da Orelo, plataforma de distribuição de podcasts que estreou no Brasil em agosto, falar de 2019 como o grande momento do formato é até correto, mas não conta a história completa. “Todo ano é o ‘ano dos podcasts’, pois a mídia está sempre crescendo e atingindo mais e mais pessoas. Nesse sentido, a pandemia foi como uma tempestade perfeita para o conteúdo de áudio”, afirma, apontando um aumento na audiência, no número de ouvintes e nos valores de produção do segmento, assim como novas oportunidades que surgem a partir das mudanças de rotina e tempo disponível para os ouvintes.

Figurões e novatos lado a lado

Ao divulgar seus números relativos ao ano de 2020, o Spotify, um dos maiores serviços de streaming de música em todo o mundo, falou em consolidação e crescimento. Segundo a marca, o país não apenas viu uma avalanche de novos criadores de conteúdo específico, assim como um aumento no ritmo de produção de muitos já conhecidos, como a chegada de novos players, como atores, jornalistas e apresentadores de televisão, que cada vez mais começam a enxergar o formato como uma mídia de destaque, capaz de atingir todo um público novo.

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Ao todo, na plataforma, são 1,9 milhão de podcasts, um número em crescimento assim como o próprio consumo, com 200% de aumento no consumo do formato no terceiro trimestre de 2020. O potencial que a plataforma enxerga nos podcasts decorre, também, da ideia de que 22% de seus usuários ativos engajam com conteúdos desse tipo, com muitos assinantes, também, chegando à plataforma devido a esse tipo de material.

Todo esse movimento, que segundo o Spotify, tem um crescimento consistente de três dígitos a cada ano, leva a acordos como os que levaram a versão brasileira da plataforma a contar com mais de 40 podcasts originais e exclusivos apenas no Brasil. São nomes como Nath Finanças, que conduz o Boletos Pagos, e o Primocast, apresentado por Thiago Nigro e que se tornou o maior conteúdo do tipo focado em finanças no mundo, além do terceiro mais ouvido do serviço no Brasil.

“Inicialmente, a podosfera foi dominada por podcasts de tecnologia, cinema e cultura pop, no formado chamado de ‘mesacast’, ou seja, com integrantes que se reúnem e conversam como se estivessem em uma mesa de bar”, explica Julian Catino, vice-presidente da Associação Brasileira de Podcasters (Abpod). Na visão dele, a drástica queda de lançamentos nesse segmento fez com que os próprios criadores mudassem seus hábitos e temáticas, enquanto o próprio amadurecimento do formato fez com que outros segmentos, como os corporativos, jornalísticos e comportamentais, ganhassem mais espaço.

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A própria retrospectiva de 2020 do Spotify é uma prova desse movimento. Enquanto nomes já conhecidos como o NerdCast, Flow Podcast e Mamilos aparecem, respectivamente na quarta, quinta e oitava colocações, o top 3 é formado por conteúdos fora dessa caixa. Além do já citado Primocast, em terceiro, a medalha de prata de 2020 ficou com o Café da Manhã, diário de notícias da Folha de S.Paulo em parceria com o serviço de streaming, que traz as principais informações do dia, enquanto o mais ouvido é o Horóscopo Hoje, com as previsões dos astros, também, entregues todos os dias.

Os dados fornecidos pela Abpod também combinam com essa ideia, com O Assunto, podcast jornalístico do portal G1 apresentado pela jornalista Renata Lo Prete, sendo não apenas o programa de maior audiência do Brasil, mas também da América Latina. Catino também ressalta o franco crescimento de programas sobre crimes reais, sexo e informativos, que devem continuar com força ao longo dos próximos anos.

Diante disso tudo, o vice-presidente da Abpod até concorda que 2019 foi o ano dos podcasts, mas apenas quando se leva em conta o aumento na amplitude, evidência e projeção nacional do formato. “Existe uma base de produtores e ouvintes no Brasil desde 2004, mesmo ano em que a mídia surgiu nos Estados Unidos. Com toda essa caminhada, incluindo grandes e importantes [produtores] ainda em atividade, [o formato] começou a se descentralizar fortemente”, completa ele.

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De acordo com dados da Orelo, são 20 milhões de brasileiros ouvindo podcasts no Brasil em 2020, um dado que a empresa prefere olhar por outro ângulo, para os outros 40 milhões, usuários contumazes de internet e assinantes de serviços de streaming de música e entretenimento, que ainda não estão com os fones nos ouvidos. Para Marques, já dá para afirmar que o conteúdo deixou de ser uma mídia de nicho, enquanto o caminho a ser trilhado ainda é muito maior e cheio de oportunidades.

Mudança de hábito impulsiona novos gêneros

O fundador da Orelo afirma que sua plataforma também apresentou crescimento durante a pandemia, ainda que os números ainda não possam ser apresentados. “Podcasts são produtos de rotina. Com o isolamento social, houve um susto inicial, mas os ouvintes rapidamente criaram novos hábitos e o consumo acompanhou”, afirma. Ele associa a busca por informação de qualidade além do noticiário, assim como o surgimento de novos interesses decorrente dos longos períodos dentro de casa, como motivadores para isso.

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O jornalista aponta uma uma fortificação de novos gêneros de podcasts, como os de gastronomia e narrativa, como reflexos disso, e aponta um segundo aspecto também oriundo do regime remoto de trabalho. Passamos o dia inteiro trabalhando e, nos momentos de lazer, Marques cita o “cansaço das telas” como motivador da busca por conteúdos de áudio, o que fez com que formatos narrativos, envolvendo histórias misteriosas ou de ficção científica, crescessem de forma sólida neste ano.

Vem daí, também, a busca das plataformas por cada vez mais conteúdos originais, com o jornalista comparando o mercado de podcasts ao de streaming de vídeo. “A oferta de cada plataforma vai fazer cada vez mais diferença na audiência e, também, no número de assinantes”, prevê, apontando a própria plataforma como uma das vanguardistas desse movimento. “A produção audiovisual brasileira é gigantesca, assim como a cultura vocal. Estamos transformando a experiência de novelas, programas de rádio e demais [tradições] em podcast.”

O isolamento social, também, gerou mudanças no fluxo de produção, com o ritmo de home office também se aplicando às gravações e ao planejamento de conteúdos originais. No processo de gravação caseira, ele fala sobre logísticas intensas de remessas de equipamentos e uma aproximação entre editores e criadores de conteúdo, além de dezenas de horas de testes para garantir que, em casa, a qualidade de áudio não ficasse devendo à de um estúdio. “A surpresa foi que conseguimos gravar de qualquer lugar, até mesmo usando o celular. A adequação tecnológica foi intensa, mas funcionou”, completa.

O trabalho fez com que a Orelo conseguisse manter o planejamento de 2020 intacto, lançando 40 séries originais neste segundo semestre – com apenas quatro delas tendo sido produzidas antes da pandemia —, assim como a previsão de lançar 60 novos conteúdos exclusivos até o final de junho de 2021. Marques não teme a reabertura como grande modificadora dos números do mercado, repetindo a ideia de que o podcast é uma mídia intimamente ligada aos hábitos. Com a volta do trânsito, das viagens de ônibus e da academia, por exemplo, a tendência é que o crescimento continue, na medida em que a mídia se torna mais e mais consolidada.

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A Abpod concorda com tais dados. Todos os anos, a associação lança a PodPesquisa, um panorama sobre a produção de podcasts no Brasil. Antes do lançamento da versão 2020, em 5 de dezembro, Catino adianta que houve, sim, uma queda na audiência de podcasts no inicio da pandemia, enquanto todos nós passavam pelas adaptações à ova realidade. No entanto, o jogo virou rapidamente, com o ano sendo de recorde no surgimento de novos podcasts e um grande aumento de ouvintes em todo o Brasil.

A aproximação de produtores de conteúdo com o público também foi uma tendência trazida por esse ano de pandemia, com a impossibilidade de eventos presenciais levando à conectividade e, daí, para a realização de lives nas quais os ouvintes podem assistir às gravações ao vivo. “Os produtores se encarregaram de incrementar, criar possibilidades e diversificar seus formatos e distribuição. Tudo isso movimenta a mídia, amplia seu alcance e a torna mais conhecida”, aponta Catino, citando as transmissões pelo YouTube como um grande motor dessa amplificação. “Para [eles], quanto mais mídias alcançadas, de forma a não ser refém de nenhuma delas, melhor.” Com isso, também vieram novas oportunidades de monetização.

Mas dá para ganhar dinheiro com podcasts no Brasil?

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De acordo com dados da PodPesquisa, antecipados ao Canaltech, 24,8% dos produtores de podcast brasileiros já têm algum tipo de renda oriunda de seus programas, enquanto 65,7% deles ainda enxergam os conteúdos como um hobby. Aos poucos, porém, mesmo estes vão enxergando que o avanço do mercado gera negócios e que há um grande espaço para crescimento e, também, de lucratividade com o trabalho. “Infelizmente, ainda não é regra, para empresas, incluírem em seus planos de mídia os anúncios e projetos com podcasts, mas alguns passos já foram dados e isso pode melhorar muito em 2021”, completa.

Marques concorda, adicionando ainda mais tempero a esse caldo. “Bom conteúdo vale dinheiro. Não entra na minha cabeça um podcast [não ser lucrativo] para seus criadores”, afirma, citando que foi essa a ideia que deu origem à Orelo, uma plataforma que, mais do que de distribuição, também pretende ser um hub de valorização e monetização para os produtores de conteúdo.

Para fazer isso, o fundador da Orelo tomou algumas notas de outros serviços de streaming, com a Twitch e o YouTube, no que toca os pagamentos a quem faz a roda girar. No aplicativo do serviço, os usuários podem contribuir diretamente com seus podcasts preferidos ou, então, pagar uma assinatura mensal no valor de R$ 6,90, que dá acesso a todos os conteúdos originais e exclusivos do site, permitindo, também, que uma produção seja escolhida para “apadrinhamento”, recebendo R$ 2, ou pouco menos de 30% do valor.

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“A ideia é horizontalizar ainda mais a relação [entre criadores e ouvintes], com tudo podendo ser realizado em um único app”, explica, apontando obstáculos como a necessidade de acessar sites de terceiros para contribuir com campanhas de financiamento coletivo ou a ideia de que um criador precisaria estar ao vivo, como acontece na Twitch, por exemplo, para que uma contribuição possa ser feita. “São alguns problemas que a gente tenta resolver, enquanto garantimos que os podcasters conversassem com mais e mais pessoas a partir de nossa plataforma.”

Mais do que apenas garantir uma fonte de renda aos produtores de conteúdo, a ideia é que esse incentivo também gere mais material, que atrai audiência e, assim, se cria um ciclo. “A Orelo tem que ser boa para todos, mas principalmente, aos criadores”, finaliza Marques, afirmando que a intenção é distribuir R$ 10 milhões aos podcasters da plataforma até agosto de 2021, quando a rede completa um ano de existência.

“O podcast se consolidou como mídia diversa e confiável”, afirma Catino. “Os podcasts têm o prestígio de uma mídia independente, e por tudo isso, há um otimismo e boas expectativas para seu crescimento e maior retorno à cadeia produtiva, patrocinadores e apoiadores”, completa. A ideia, no final das contas, é que 2020 pode ser, mais ainda, o ano dos podcasts. Até que venha 2021. E o seguinte, assim por diante.