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O despertar da representatividade e a polêmica com os brinquedos de Star Wars

Por| 06 de Janeiro de 2016 às 12h23

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O despertar da representatividade e a polêmica com os brinquedos de Star Wars
O despertar da representatividade e a polêmica com os brinquedos de Star Wars

O lançamento de Star Wars: O Despertar da Força semanas antes do Natal foi uma jogada muito inteligente por parte da Disney. Assim, tanto fãs quanto pais e crianças saíram das salas de cinema correndo para as lojas de brinquedo em busca de produtos licenciados da saga. Do robozinho BB-8 ao novo vilão Kylo Ren, todo mundo queria ter a sua lembrança daquele que vem sendo tido por muitos como um dos melhores filmes de 2015. No entanto, qual foi a surpresa de muita gente ao ver que uma das protagonistas do filme, Rey, estava ausente das prateleiras?

Na verdade, essa é uma polêmica que já era esperada por muita gente por conta de um histórico nada glorioso da Disney. Tirando a linha infantil, a empresa quase nunca aposta em personagens femininas em seus brinquedos. Basta ver que o quão raro são os bonecos da Viúva Negra nos produtos inspirados em Vingadores e no simples fato de que Gamora, de Guardiões da Galáxia, foi convenientemente esquecida no merchandising do filme.

Contudo, com O Despertar da Força, todos esperavam que as coisas fossem um pouco diferentes. Ao contrário das heroínas da Marvel, que ocupavam uma posição mais secundária nas tramas, Rey é a protagonista deste novo Star Wars. É em torno dela que a história gira e, ao lado do personagem de John Boyega, não existiria uma nova trilogia sem ela. Então por que diabos não temos brinquedos focados nela até agora?

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Onde está Rey?

Essa ausência era algo que já incomodava muitos fãs desde o lançamento do novo Guerra nas Estrelas, mas ganhou uma força muito maior após a divulgação de uma carta enviada à Hasbro por uma garotinha norte-americana que deu mais evidência ao assunto. No texto, Annie Rose, de apenas 8 anos, cobra a empresa a ausência de Rey na versão do jogo Monopoly inspirado em O Despertar da Força.

No game de tabuleiro, os jogadores contam com quatro peças inspirados nos personagens Darth Vader, Kylo Ren, Luke Skywalker e Finn. E a dúvida da menina era exatamente o porquê da protagonista do último longa não ter virado bonequinho. "Ela pertence ao Monopoly de Star Wars e a todos os outros jogos do filme. Sem ela, não tem O Despertar da Força! E, sem ela, os malvados teriam vencido", escreve a pequena fã. Tanto que, pouco tempo depois, as redes sociais abraçaram a causa com a hashtag #WhereIsRey.

.@JillPantozzi .@Epbot 8 yr old asks Hasbro, How could you leave out Rey in SW Monopoly?! #WheresRey pic.twitter.com/PGMzJWWrhy — Carrie Goldman (@CarrieMGoldman) 4 janeiro 2016
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E ela está completamente certa, tanto que a própria Hasbro tratou de responder a jovem consumidora e explicou o porquê da ausência da heroína. Segundo a companhia, o jogo de tabuleiro foi lançado em setembro, antes da estreia do filme, e que a peça inspirada em Rey ficou de fora para não dar qualquer tipo de spoiler em relação à trama.

Essa é uma justificativa que faz sentido, exceto pelo fato de que seria completamente possível lançar uma infinidade de outros produtos com a personagem interpretada por Daisy Ridley sem entrar no mérito de ela ser ou não uma Jedi. Afinal, não é a presença ou a ausência de um sabre de luz em sua mão que faz dela uma heroína interessante e muito menos uma das melhores coisas de O Despertar da Força.

Outra explicação dada foi a alta demanda do público, que fez com que os bonecos da Rey simplesmente desaparecessem das lojas em pouquíssimo tempo. Em entrevista ao site Omelete, a diretora de marketing da Hasbro do Brasil, Denise Ledoux, disse que houve um estouro nas vendas e que alguns personagens esgotaram nas lojas já no começo de dezembro. Segundo ela, Rey foi uma delas, uma vez que o desempenho dos produtos relacionados a ela ficou muito acima da expectativa.

E pode até ser que isso tenha mesmo acontecido, mas é muito estranho que quase ninguém tenha encontrado a protagonista em lojas. Nas redes sociais, apenas alguns poucos sortudos compartilhavam fotos de pacotes de brinquedos que continham miniaturas dela juntamente de outros heróis e vilões, incluindo outro nome feminino do elenco, a Capitã Phasma. Em compensação, praticamente nenhuma loja tinha displays e material de divulgação com a figura de Daisy Ridley.

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Isso tudo toca em uma ferida que há tempos segue exposta: a representatividade. A indústria de brinquedos parece ainda não ter se adaptado à ideia de que não existe mais uma diferença tão clara do que é brinquedo de menino e o que é destinado às meninas. Prova disso é que muitas meninas, assim como Annie Rose, saíram dos cinemas querendo brincar com os heróis de Star Wars: O Despertar da Força do mesmo modo que os garotos. E qual a decepção ao ver que a protagonista e aquela com quem elas se identificaram nas telonas não está disponível? Em compensação, o Flametrooper que aparece em uma única cena de um segundo no longa tem um belíssimo boneco em qualquer loja que você for.

Na sua carta à Hasbro, a garotinha puxa a orelha da companhia ao dizer que garotas importam, sim, dentro de qualquer cenário. "Meninos e meninas precisam ver que mulheres podem ser tão fortes quanto os homens! Garoto ou Garota, quem se importa? Nós somos iguais, todos nós!", reclama Annie Rose.

Diante disso e de toda a repercussão negativa que o sumiço de Rey causou, a empresa se comprometeu a trazer mais produtos relacionados. Ao Omelete, a diretora da Hasbro Brasil confirmou que uma nova linha de brinquedos deve chegar às lojas em 2016, mas não especificou quando isso deve ocorrer e nem quais peças são essas. Já nos Estados Unidos, a empresa confirmou que o game Monopoly, pivô de toda a polêmica, vai ganhar uma miniatura da heroína no final deste ano.

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Quem quer um boneco do Finn?

Por outro lado, temos um fenômeno completamente diferente acontecendo com o outro herói de O Despertar da Força. O site Melhores do Mundo atentou para um detalhe bem curioso em lojas de todo o país: os bonecos do herói Finn estavam encalhados nas prateleiras.

Tanto que eles publicaram um vídeo poucos dias após o Natal mostrando lojas de vários estados do Brasil em que praticamente todos os brinquedos relacionados a Star Wars tinham esgotado, exceto pelo personagem de John Boyega. E isso serviu para dar início a outra discussão sobre representatividade, mas a partir de um ponto de vista racial.

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Desde que foi anunciado que teríamos um herói negro em Star Wars, muita gente comemorou a novidade pelo fato de que ela representava uma enorme conquista dentro da discussão de representatividade. Depois de anos vendo heróis brancos salvarem o mundo, enfim teríamos um personagem negro ocupando um lugar de destaque. E, de fato, Finn é um excelente protagonista. Contudo, como aponta o psicólogo e um dos membros do site, Lucas Ed, nem mesmo essa maior participação parece ter sido capaz de atrair a atenção das pessoas aos produtos relacionados.

"Uma possível chave de leitura para isso é que as pessoas não se identificam com esse personagem", afirma Ed no vídeo. Ele conta que, quando pequeno, conseguia se identificar com o personagem de Luke Skywalker mesmo o herói sendo loiro e ele uma criança negra — e isso nunca o atrapalhou na hora de brincar com seus bonecos. "Mas por que o inverso disso não acontece? Por que uma criança branca ou seu pai não pode comprar um boneco negro para que ele se identifique com esse personagem? Por que isso não acontece mesmo quando o personagem desempenha um papel central no filme?", questiona.

Para o psicólogo, essa visão pode indicar um caso de normatização, ou seja, estabelecer que o normal é branco e que o negro é anormal. E essa visão é algo que pode ir além da própria questão racial e voltar para o debate de gênero, como vimos com a Rey. "Tem um problema aí que é das pessoas brancas terem dificuldade de se identificar com aquilo que não é exatamente igual a eles — que é um movimento que não existe com os consumidores negros porque eles não têm essa opção", explica Ed.

É claro que essa é uma forma de interpretar o encalhe dos bonecos do Finn, como o próprio autor do vídeo destaca, mas é algo que ainda é impossível de ignorar. E nem deve ser. "A gente precisa conseguir enxergar nesses personagens — negros e mulheres — que ali está o herói da história e que ele é interessante porque é o herói", conclui.

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Fonte: Folha, Omelete, Slash Gear, Hollywood Heroic, Melhores do Mundo, Collant Sem Decote