Crítica | Loja de Unicórnios e a importância de manter o sonho vivo
Por Felipe Demartini | 12 de Abril de 2019 às 09h21
Pare um pouco para pensar sobre o estado atual de sua vida. Reflita em relação a seu trabalho, relacionamento, saúde mental e pense se o seu eu da infância e da adolescência estaria feliz com a sua forma atual. Caso a resposta seja negativa, imagine ter uma segunda chance de recuperar esse encanto do passado. Você aceitaria?
É esse o convite recebido pela protagonista Kit (Brie Larson) logo nos primeiros momentos de Loja de Unicórnios, novo filme distribuído mundialmente pela Netflix. Uma artista fracassada recém-expulsa da faculdade, ela volta a morar com pais que sabe, a consideram uma perdedora, e se vê no limiar de desistir de suas vocações e sonhos para assumir uma vida que muitos chamariam de “normal”, mas que, para ela, não é nada disso.
Então, chega o convite misterioso. O personagem sem nome, a quem os créditos chamam apenas de Vendedor (Samuel L. Jackson), a convida à Loja e informa ter um unicórnio para Kit, desde que ela cumpra certos requisitos relacionados, por exemplo, à construção de um estábulo para o animal e confirme ter condições de cuidar dele de forma adequada. Sonhos e vocações coloridas entram em conflito com um mundo corporativo cinza e marrom, enquanto a protagonista tenta seguir adiante entre ambos.
A estreia de Brie Larson na direção, em um filme que ela também coproduz, é ao mesmo tempo séria e lúdica. A fábula do unicórnio segue sem questionamentos durante boa parte da película, pois, como fica claro logo em seu início, trata-se de muito mais do que apenas um animal. Para Kit, a personagem principal, ela é como aquele último raio de luz que entra pela cortina enquanto o dia está anoitecendo. É um sinal de que as coisas ainda podem ser como deveriam (para ela).
O problema é que o mundo de sonhos, fantasia e tinta borrada na tela começa a soar como bobo até mesmo para a própria protagonista. Enquanto isso, seus pais, interpretados por Joan Cusack e Bradley Whitford, tentam aplicar as rotinas do grupo de apoio a adolescentes de que participam também na própria filha. Kit, em uma tentativa de buscar a normalidade pedida por eles, arruma um emprego temporário e acaba em uma empresa das mais caretas, onde todos são cobras e o chefe é um assediador daqueles com a fala mansa.
Com o palco montado, Loja de Unicórnios acaba se transformando algo como uma batalha de um rolo compressor contra um boneco de madeira. E mesmo quando a personagem principal tenta trazer um pouco mais de vida e colorido ao universo corporativo, acaba sendo esmagada mais do antes. É o velho dilema entre mudar para agradar a todos e acabar perdendo a própria essência, ou manter esse espírito vivo, mesmo quando ele parece não funcionar de maneira alguma.
O resultado desse embate acaba sendo um filme visualmente interessante, principalmente pelo figurino, cenários e fotografia. Kit parece confortável e adequada somente quando está na Loja de Unicórnios, enquanto, no restante do longa, soa deslocada e esquisita. Mesmo ao tentar se vestir de maneira sóbria e gostar de "coisas nojentas" como café, em suas próprias palavras, ela não parece pertencer a tudo aquilo.
Mesmo a câmera, sob a direção de Larson, tem dificuldades de se adequar e permanece balançando durante os momentos de maior tensão, enquanto exibe imagens mais abertas nas situações mais tranquilas. É uma forma de manter o espectador ligado e até mesmo envolvido no que está acontecendo, seja na torcida para que Kit consiga realizar seu sonho ou esperando o melhor para ela nos embates no mundo real.
Entretanto, alguns detalhes do roteiro fazem o serviço oposto, com momentos afetados e infantiloides da personagem principal, derrubando-a no conceito de quem assiste. Ela não dá o braço a torcer mesmo quando está errada e muitas vezes quebra as próprias regras em uma tentativa de se firmar, algo que, antes mesmo de se completar, sabemos que vai dar errado.
Dá para perdoar, em partes, pois Kit está em uma jornada de descobrimento, mas, ainda assim, algumas de suas atitudes soam bem esquisitas. Outras, entretanto, lembram a de uma criança birrenta ou uma adolescente problemática, o que acaba comprometendo um pouco o conceito lúdico da história.
Mesmo abrindo um amplo espaço para discussão e conversas entre os interessados, Loja de Unicórnios acaba se mostrando como um filme leve e, de certa maneira, fraco. Durante os 92 minutos de longa, temos graça, cor e movimento, além da já citada luta interna e externa de Kit. Ao mesmo tempo, nada se sobressai o suficiente para se tornar memorável e transformador.
Acima de tudo, o filme mostra que Larson tem um futuro promissor na direção, principalmente quando tem espaço para contar sua história de maneira confortável como vimos aqui, ao lado de um elenco talentoso e um roteiro que parece tocá-la pessoalmente. Se há algo que fica de Loja de Unicórnios, além de um contato com o passado e os nossos próprios sonhos antigos, mesmo que apenas por uma hora e meia, é a vontade de ver a Capitã Marvel de novo com uma câmera na mão.