Fórmula E e a experiência das ruas aplicada nas pistas
Por Felipe Demartini |
Câmbios borboleta, controle de tração, controles de misturas de combustíveis e direções elétricas têm mais em comum do que apenas o fato de serem peças comuns em carros da atualidade. Estas, também, são todas inovações que vieram diretamente da Fórmula 1, uma das categorias mais avançadas do esporte a motor e vanguarda da indústria automotiva. No caminho inverso, mas sem perder o fato da inovação, está a Fórmula E.
Em sua sexta temporada, aquela que já era uma das categorias mais novas do circo do automobilismo, agora, tem um novo ineditismo para chamar de seu. A competição corrente, iniciada em dezembro de 2019, é a primeira a contar com o caráter de torneio mundial certificado pela FIA, a Federação Internacional do Automóvel, órgão que regula toda a competição relacionada a carros no mundo. Para os envolvidos na Fórmula E, se trata apenas da consagração de um esforço que muita gente já vê nas ruas da cidade há mais de duas décadas.
O campeonato chega a sua terceira etapa neste final de semana nas ruas de Santiago, no Chile. E há um motivo para a preferência por circuitos de rua em grandes capitais. É neles que elas demonstram seu potencial técnico e o arrojo obtido em centenas de horas no simulador, com traçados cuidadosamente escaneados. Mas, mais do que isso, é nas provas urbanas que os carros elétricos atingem seu potencial máximo.
“Carros são carros. A construção é semelhante e o comportamento deles, em termos de força, também. Mas, na Fórmula E, o que define uma vitória ou derrota é o software envolvido e a estratégia usada”, explica o piloto britânico Oliver Rowling, da equipe Nissan e.dams. Em seu segundo ano na modalidade, o time já obteve resultados significativos e, mais do que isso, exibe um dos principais caráter da competição com os carros elétricos: a performance virtualmente parelha entre todas as marcas que brigam nas pistas.
Ciclo de melhoria
Quando se fala na Nissan e.dams, a palavra que acompanha a inovação é uma que nem sempre aparece ao lado da primeira: tradição. Carros elétricos, para a primeira marca japonesa da integrar o circo da Fórmula E, são o resultado de uma história de mais de sete décadas, intensificado a partir de 2010 com o lançamento do Leaf, um veículo disponível inclusive no Brasil e que já acumula mais de 500 mil unidades vendidas em todo o mundo.
“Nenhuma outra equipe tem esse nível de informação”, completa Rowland. “Foi isso que permitiu a equipe chegar com muito potencial já em seu primeiro ano”. Dados que, nas pistas, se traduzem em resultados: foram seis pole positions em 13 corridas na temporada 2018/2019 da Fórmula E, divididas ao meio entre o piloto britânico e seu companheiro de equipe, o suíço Sébastien Buemi. O veterano da Fórmula 1 também levou para casa a primeira vitória da equipe, na penúltima prova do ano, em Nova York, nos EUA.
“Os resultados positivos mostram que o caminho que seguimos está correto, mas também nos ajudam a encontrar a estrada adiante”, explica Michael Carcamo, diretor de esporte a motor da Nissan. Segundo ele, as fundações da equipe estão cravadas nos mais de quatro milhões de quilômetros rodados pelos 500 mil Leafs espalhados pelo mundo.
É uma telemetria que se aplica, por exemplo, em informações sobre o comportamento das partes internas em diferentes condições de temperatura, asfalto, inclinação e desgaste, bem como variados perfis ao volante. E aí, novamente, entra em cena uma das principais características da Fórmula E: o fato de as corridas se passarem em circuitos de rua que refletem essas situações, só que, claro, maximizadas a uma velocidade de 300 quilômetros por hora.
“A tarefa dos pilotos, diante disso tudo, é fazer com que esse pacote de dados represente a melhor performance possível na competição. Em uma categoria em que carros são tão equivalentes, são eles e os softwares que acabam fazendo a diferença”, completa o diretor da equipe. A esperança expressada em entrevista dois dias antes da etapa de Santiago da Fórmula E faz sentido: a ideia de que Rowland ou Buemi podem ser os campeões da prova é palpável e o time se diz preparado para essa alegre possibilidade.
Mais do que isso, Carmano relata que o tradicional caminho inverso, das pistas para as ruas, também existe quando o assunto é a Fórmula E. Se a tradição permitiu que a Nissan e.dams demonstrasse potencial logo em seus primeiros anos na categoria, o feedback dado pelos pilotos e o desenvolvimento do software usado nos carros também acaba dando as caras no veículo que você pode acabar dirigindo um dia.
Normas de segurança da Fórmula E, por exemplo, acabam se tornando padrões também para os veículos de passeio da marca, que também ganham incrementos de software em economia de energia, otimização de recursos, redução de desgaste e confiabilidade oriundos das provas de automobilismo. É o que a montadora chama de o DNA do Leaf, o carro-chefe de sua estratégia com os veículos elétricos, mas que em breve representará o cerne de toda a atuação da companhia no campo dos veículos sustentáveis.
Carmano, por outro lado, cita as diferenças entre esses dois mercados, capazes de mudar as coisas de forma profunda. A produção de uma nova geração de automóvel para o público, por exemplo, pode levar mais de três anos, com as inovações sempre chegando aos consumidores, mas levando um tempo menor. “Em comparação, uma exigência mecânica ou de software em um carro da Fórmula E pode ser feita de um dia para o outro. O nosso carro [desta etapa] é diferente do da anterior e da próxima”, explica. “Um ano no esporte a motor representa sete carros de passeio”. Um tempo que, pelo jeito, passa bem rápido.
O jornalista viajou para o Chile a convite da Nissan.